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Idoso se forma em História aos 79 anos; trajetória do aluno inspira universidade do RJ, que cria projeto de alfabetização

Valdir de Lima aprendeu a ler e escrever com mais de 65 anos, após assistir às aulas do Telecurso 2000 pela televisão.

“Eu quero ser uma pedra bruta, não quero ser uma pedra lapidada, não”, diz Seu Valdir de Lima, com os olhos marejados. Aos 79 anos, ele acaba de se formar em História, no Rio de Janeiro, após quase 8 anos se revezando entre a rotina da sala de aula da universidade e do hospital onde sua falecida mulher esteve internada por boa parte do tempo em que ele estudou.

A “lapidação”, a qual Seu Valdir se refere, não cabe diante de sua trajetória. Ele só aprendeu a ler e a escrever com mais de 65 anos, após assistir às aulas do Telecurso 2000 pela televisão. “Sou autodidata”, define-se. Hoje, ele exibe com orgulho os documentos que comprovam sua alfabetização e graduação tardias.

Durante a conversa, Seu Valdir pega as radiografias para mostrar as imagens de suas costelas quebradas após um tombo. Ele chora, diz que sua vida foi marcada por dores, mas reforça que nunca abandonou a faculdade por causa da saúde.

Seu Valdir fez as provas de supletivo oferecidas pelo Governo após aprender a ler e a escrever apenas assistindo às aulas do Telecurso 2000, pela televisão (Foto: Patricia Teixeira/G1)

“Estudei com minha esposa doente, ela teve que tirar um rim, depois faleceu. Foram 56 anos juntos. Eu quebrei as costelas, fiquei diabético, agora apareceu uma síndrome que não quis saber o que era, mas sempre frequentei as aulas. Foi assim a minha vida”, ressalta.

Em sua infância, inserida no período da Segunda Guerra Mundial, Seu Valdir não teve a oportunidade de estudar numa escola. “Minha mãe não se preocupava com isso”, relembra. Aos 13 anos, ele já trabalhava para ajudar a família. Atuou em serviços de lapidação, foi supervisor de uma gráfica, motorista profissional e carregador no Cais do Porto. Tudo isso sem passar por nenhuma humilhação por ser analfabeto, ele garante.

“Naquela época, só precisava de um pouco de cabeça para ganhar dinheiro. Mas sempre comprei revistas, jornais, livros. Minha mulher e meus filhos me ajudavam a ler. Foi assim que me apaixonei por História, lendo a história das pessoas, dos lugares”, rememora.

Após quase 8 anos na rotina da universidade, Seu Valdir se formou em História no dia 22 de março pela Estácio de Sá (Foto: Arquivo Pessoal)

Seu Valdir se formou pela Universidade Estácio de Sá no dia 22 de março deste ano, com mais de duas mil pessoas na cerimônia de colação de grau. “Eu estava muito emocionado. Levantei o canudo como se estivesse levantando uma bengala, foi libertador, uma grande satisfação”.

O convívio com jovens, durante o tempo da faculdade, foi uma experiência feliz para ele. “Eu era o único Seu Valdir”, diz, soltando uma gargalhada. “Ficava muito à vontade com eles. Eu falava que eles podiam falar palavrão que eu não ligava. Se eu fosse um rabugento, ninguém ia me querer por perto”.

Programa de alfabetização gratuito

Histórias como a de Seu Valdir serviram como inspiração para a Universidade Estácio de Sá investir no programa gratuito de alfabetização e letramento de jovens, adultos e idosos que moram em áreas carentes do Rio de Janeiro.

Nesta segunda-feira (9), a Estácio inicia o projeto piloto em três unidades do estado: Alcântara, em São Gonçalo, Via Brasil, em Irajá, e Queimados. As aulas terão duração de 4 meses, com três aulas semanais, cada uma com duração de duas horas. Para participar do programa basta se inscrever até o dia 10 de abril em alguma das unidades participantes.

“Pode se inscrever qualquer pessoa que não saiba ler e escrever, e que queira se alfabetizar. O projeto tem como objetivo atender pessoas que são completamente analfabetas. Estamos trabalhando forte para evitar a evasão desse aluno. Vamos atuar em ambientes diferenciados, que permitam a troca entre as pessoas”, explica Alexandra Witte, coordenadora do programa de responsabilidade social da Estácio.

A coordenadora ressalta que a metodologia será diferente da aplicada em escolas tradicionais de alfabetização. “Nosso planejamento prevê que os alunos discutam sobre temas do dia a dia deles. Eles vão aprender a ler e a escrever, e também vão aprender matemática com os problemas que enfrentam diariamente, como passar uma mensagem no celular, fazer lista de mercado, ler o que passa na televisão, na internet”, acrescenta Alexandra.

País tem quase 12 milhões de analfabetos

Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro do ano passado. Esse número representa 7,2% da população de 15 anos ou mais de idade, inserida na taxa de analfabetismo.

Os dados alarmantes fizeram com que o presidente do Grupo da Estácio, Pedro Thompson, decidisse implementar o programa para reduzir esses números.

 “O que a gente quer gerar é retorno social para a sociedade através do investimento que fazemos nos nossos alunos. Educamos para que eles possam ter melhor chance de empregabilidade, alcance novos níveis de cultura, cidadania. Então por que não abraçarmos também a questão do analfabetismo?”, justifica Pedro.

Inicialmente, o projeto vai funcionar em três regiões do Rio de Janeiro, mas a ideia é expandir para todas as unidades do país. As aulas terão a participação de estudantes de cursos de pedagogia e de licenciaturas da Estácio, e a supervisão dos docentes.

“Criamos esse piloto, inicialmente, com três unidades, todas elas localizadas no Rio de Janeiro e de tal forma que no entorno delas tenha algum coeficiente, previamente mapeado por nós, em relação a uma população que necessite de alfabetização. A ideia posterior é expandir para todo o país”, destaca o presidente da instituição.

Por Patricia Teixeira, G1 Rio